O exercício da paternidade a partir da Filosofia

“O amor é sábio, o ódio é tolo”.

Bertrand Russel

Há muitos homens que geraram filhos e se tornaram pais. Por outro lado, há muitos homens que geraram filhos, mas, que não se tornaram pais. Aos primeiros, se juntaram os homens que não geraram filhos, mas, que se tornaram pais.

Porém, quando nasce um pai?!? Ou, o que é ser pai? É possível aprender a ser pai a partir dos ensinamentos repassados pelos filósofos?!?

Nesses dias em que o comércio faz apelos consumistas relacionados ao Dia dos Pais, que é comemorado no Brasil no segundo domingo de agosto, é um bom momento, não o único, para refletirmos sobre o exercício da paternidade.

Segundo a Agência Brasil, aproximadamente 11 milhões de mulheres criam seus filhos sozinhas​ em nosso país. E desses filhos, 6 milhões de brasileiros não têm o nome do pai registrado em suas certidões de nascimento​. Trata-se de um abandono afetivo que pode trazer graves consequências psicoemocionais em tais filhos.

Aprendendo a ser pai…

Quando se gera um filho ou filha, não necessariamente nasce um pai. Os dados da realidade comprovam isso. A primeira coisa que precisamos nos conscientizar, então, é que, assim como não nascemos homens ou mulheres, mas, nos tornamos ao longo da nossa história e a partir das vivências, experiências e cotidianidades, também a maternidade e a paternidade é algo que aprendemos.

Se quase todos os seres humanos têm as condições biológicas para serem mães e pais, nem todos se tornam e, muito menos, aqueles que geram, chegam a exercer a maternidade ou a paternidade. Isso porque, maternidade e paternidade é algo que aprendemos. E, se aprendemos, então podemos recorrer aos conhecimentos histórica, social e culturalmente produzidos para buscar neles, algumas referências para essa aprendizagem.

Aprendendo a exercer a paternidade a partir da Filosofia

A Filosofia surgiu em diferentes locais e tempos diferentes: Egito, Grécia, China, Índia e entre os Nahuatles onde hoje é a América Central. E desde então ela tem nos ensinado a pensar, agir e viver melhor. Mas, o que podemos aprender com a Filosofia para exercermos a nossa paternidade?

Exercendo a paternidade a partir de Sócrates e Platão

Sócrates e Platão, figuras centrais da filosofia ocidental, oferecem valiosos conselhos sobre a paternidade que se baseiam na reflexão e na busca pelo conhecimento. Sócrates, em seus diálogos com seu filho Lamprocles, enfatiza a importância de educar pela razão e pelo diálogo, em vez de recorrer a gritos ou punições. Ele acredita que a verdadeira educação deve levar a criança a refletir sobre suas ações e a desenvolver um caráter virtuoso, afastando-se dos vícios. Essa abordagem socrática promove um ambiente de aprendizado onde o filho é encorajado a pensar criticamente e a internalizar valores éticos, em vez de simplesmente obedecer a ordens.

Já Platão, discípulo de Sócrates, complementa essa visão ao sugerir que a educação deve ser um processo contínuo e que os pais devem ser modelos de virtude para seus filhos. Em suas obras, Platão argumenta que a formação moral e intelectual da criança é essencial para o desenvolvimento de uma sociedade justa. Ele defende que os pais devem cultivar um ambiente que estimule a curiosidade e o amor pelo conhecimento, permitindo que as crianças explorem suas próprias ideias e valores. Assim, tanto Sócrates quanto Platão destacam a importância de uma paternidade baseada na sabedoria, no diálogo e na promoção de um caráter ético, preparando as crianças para se tornarem cidadãos conscientes e responsáveis.

Exercendo a paternidade a partir de Aristóteles

Da mesma forma, Aristóteles, em suas obras, oferece orientações valiosas para a paternidade que se fundamentam na ética e na educação. Ele acredita que o papel dos pais é crucial na formação do caráter dos filhos, enfatizando a importância de cultivar virtudes. Para Aristóteles, a educação deve ser um processo que envolve tanto a razão quanto a emoção, permitindo que as crianças desenvolvam um entendimento equilibrado sobre o que é certo e errado. Além disso, ele sugere que os pais devem ser exemplos de virtude, pois as crianças aprendem mais pela observação do que por instruções diretas. Dessa forma, a prática da paternidade deve ser guiada por um compromisso com a moralidade e a busca pela excelência. Uma das referências para compreender esses conselhos do estagirita, é sua obra Ética a Nicômaco, conjunto de anotações e ensinamentos que o filósofo compartilhou com seu filho, Nicômaco, cujo objetivo era orientar seu filho na aplicação da ética na vida cotidiana.

Outro aspecto importante no pensamento aristotélico é a ideia de que a paternidade deve considerar o bem-estar da família como um todo. Aristóteles defende que a família é a unidade básica da sociedade e que os pais têm a responsabilidade de criar um ambiente que promova a felicidade e a harmonia. Ele argumenta que a educação deve ser adaptada às necessidades individuais de cada criança, respeitando suas particularidades e incentivando suas potencialidades. Nesse sentido, a paternidade, segundo Aristóteles, envolve não apenas a transmissão de conhecimento, mas, também, a promoção de um espaço onde as crianças possam florescer emocional e intelectualmente, preparando-as para se tornarem cidadãos virtuosos e bem-sucedidos.

Exercendo a paternidade a partir de Marco Aurélio

Marco Aurélio, imperador romano e filósofo estoico, oferece conselhos valiosos sobre a paternidade em suas reflexões, especialmente em sua obra “Meditações”. Ele enfatiza a importância de cultivar a virtude e a razão na educação dos filhos, sugerindo que os pais devem ser exemplos de caráter e integridade. Para Marco Aurélio, a paternidade deve ser guiada pela compreensão e pela paciência, reconhecendo que cada criança é única e deve ser tratada com respeito e amor. Ele acredita que, ao ensinar os filhos a enfrentar as adversidades da vida com coragem e resiliência, os pais os preparam para se tornarem adultos responsáveis e éticos.

Além disso, Marco Aurélio ressalta a importância de criar um ambiente familiar que promova a reflexão e o autoconhecimento. Ele sugere que os pais incentivem seus filhos a questionar e a buscar a verdade, em vez de simplesmente aceitar normas sociais sem crítica. Essa abordagem não apenas fortalece o vínculo familiar, mas também ajuda as crianças a desenvolverem um senso de responsabilidade e autonomia. Ao integrar os princípios estoicos em sua paternidade, Marco Aurélio propõe uma educação que valoriza a sabedoria e a virtude, preparando os filhos para uma vida plena e significativa.

Exercendo a paternidade a partir de Kant

Vejamos agora alguns conselhos de Immanuel Kant, filósofo alemão que viveu durante o século XVIII. Para Kant, os pais devem tratar seus filhos como fins em si mesmos, e não como meios para alcançar outros objetivos. Isso implica respeitar a autonomia e a dignidade da criança, promovendo um ambiente em que ela possa desenvolver sua própria razão e moralidade. A educação, segundo Kant, deve ser orientada pela razão, ajudando os filhos a compreenderem e internalizarem princípios éticos universais, permitindo que eles se tornem cidadãos responsáveis e moralmente conscientes.

Além disso, Kant enfatiza a importância da responsabilidade na paternidade, destacando que os pais devem agir de acordo com princípios morais que possam ser universalizados. Isso significa que as ações dos pais devem ser guiadas por normas que poderiam ser aplicadas a todos, promovendo a justiça e a equidade.

Exercendo a paternidade a partir de Nietzsche

Vejamos agora, como exercer a paternidade a partir de Friedrich Nietzsche, filósofo alemão do século XIX; ele apresenta uma perspectiva provocativa sobre a paternidade, enfatizando a importância da individualidade e da autossuperação. Para Nietzsche, os pais devem incentivar seus filhos a desafiar as normas sociais e a buscar sua própria verdade, em vez de se conformarem com a moralidade tradicional. Ele critica a “moralidade de rebanho”, que promove a submissão e a obediência, sugerindo que os pais devem criar um ambiente que valorize a criatividade e a afirmação da vida. Nesse sentido, a paternidade deve ser uma jornada de empoderamento, onde os filhos são encorajados a buscarem uma vida “além-do-humano”, capazes de moldar seus próprios valores e significados.

Além disso, Nietzsche destaca a importância de enfrentar as adversidades como um componente essencial do crescimento pessoal. Ele acredita que os desafios e sofrimentos são oportunidades para o desenvolvimento da força de caráter e da resiliência. Assim, os pais devem preparar seus filhos para viverem o amor fati, isto é, a aceitarem e superarem as dificuldades, instilando neles a ideia de que a vida é uma luta que deve ser abraçada.

Ao promover uma educação que valoriza a coragem e a autenticidade, os pais podem ajudar seus filhos a se tornarem indivíduos autônomos e criativos, prontos para deixar sua marca no mundo.

Exercendo a paternidade a partir dos Tlamatinimes

Os Tlamatinimes formavam uma classe de sábios e educadores da cultura nahua, que viveram onde hoje é a América Central, entre os século XIV e XVI. Els nos oferecem uma visão rica e profunda sobre a paternidade, enfatizando a importância da educação e do conhecimento na formação dos filhos. Para eles, a paternidade não se limita à transmissão de bens materiais, mas envolve a transmissão de sabedoria e valores éticos, que são fundamentais para o desenvolvimento integral da criança. A educação, segundo os Tlamatinimes, deve ser um processo contínuo, onde os pais atuem como guias, incentivando a curiosidade e a busca pelo conhecimento. Essa abordagem promove um ambiente familiar onde o aprendizado é valorizado, e as crianças são encorajadas a questionar e explorar o mundo ao seu redor.

Além disso, os Tlamatinimes destacam a importância da coletividade na paternidade, reconhecendo que a educação dos filhos é uma responsabilidade compartilhada por toda a comunidade. Essa visão holística implica que os pais devem cultivar relações saudáveis e respeitosas não apenas com seus filhos, mas, também, com os outros membros da comunidade, criando um ambiente de apoio mútuo.

A prática da paternidade, portanto, é vista como um ato de amor e compromisso, onde os pais devem estar atentos às necessidades emocionais e sociais de seus filhos. Assim, a paternidade, sob a perspectiva dos Tlamatinimes, é uma jornada de aprendizado e crescimento conjunto, que visa a formação de indivíduos íntegros e conscientes de seu papel na sociedade.

Poderíamos produzir um verdadeiro tratado sobre o exercício da paternidade a partir de outros pensadores. Porém, acreditamos que já temos referências suficientes para que, quem o desejar, não seja apenas genitor, mas, pai comprometido com a formação ética e responsável de seus filhos e filhas. Pois, como afirma o escritor português José Saramago: “Filho é um ser que nos foi emprestado para um curso intensivo de como amar alguém além de nós mesmos, de como mudar nossos piores defeitos para darmos os melhores exemplos e de aprendermos a ter coragem”.

Sobre o autor:
Prof. Dr. Rui Valese
É Doutor em Educação pela UFPR e Mestre em Educação pela UTP. Tem Especialização em Filosofia Política pela UFPR, Graduação em Filosofia pela PUCPR e Letras pela UNINTER. É Master Coach pelo Instituto Coaching de Curitiba. Atualmente cursa Ciência da Felicidade (Unicesumar) e Neurociência da Aprendizagem pela UNINTER. Coautor do livro Filosofia Latino-Americana e Brasileira, além de mais de uma dezena de capítulos sobre filosofia, comportamento humano, educação, entre outros temas.

1 comentário em “O exercício da paternidade a partir da Filosofia”

  1. Avatar
    SIRLEY MACHADO MACIEL

    Professor Rui, pai do Gabriel e meu grande amor! Lindo texto, excelentes reflexões para os dias atuais. Que essas reflexões possam chegar a todos os homens que já são pais, para os que desejam ser, para as mães no ato responsável da escolhas dos pais dos seus filhos e filhas e para os filhos e filhas que também um dia serão pais e mãe . Que todos nós possamos rever nossos conceitos e possamos nos preparar para essa nobre missão. Você e eu estamos buscando honrar essa tarefa com nosso menino. Gratidão por compartilhar essa nobre tarefa e essa missão ao meu lado. Eu e o Gabriel amamos você!! Feliz Dia a dos Pais!! ♥️♥️♥️

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